Interesses das partes afetadas pelos empreendimentos passam a ser considerados

Nas discussões do fim do século XX, o modelo econômico capitalista passa a sofrer questionamentos em relação a sua legitimidade. A visão de que a responsabilidade das empresas é tão somente com os lucros, que tem em Milton Friedman (1998) um dos seus mais importantes defensores, passa a ser confrontada com a ideia de que as empresas não existem somente para produzir riquezas materiais, mas também para promover o desenvolvimento integral do ser humano, como o fez Andres Genoud (2002).

A pressão por mais controle e responsabilização das empresas extrapola os limites das legislações ambientais governamentais, complexas e detalhadas, sendo exercida também por instituições supranacionais e organismos multilaterais que emanam diretrizes socioambientais, de adesão voluntária, com potencial para definir o sucesso ou o fracasso das atividades empresariais.

A cobrança exercida sobre as empresas não se restringe mais somente à esfera ambiental e inclui demandas pelo incremento da participação e do controle social na condução dos negócios e pela obtenção e manutenção da Licença Social para Operar (LSO) pelas corporações.
A necessidade de dialogar com as comunidades que vivem nos territórios onde as corporações estão inseridas, para a compreensão de suas expectativas, anseios e vocações e a inclusão de seus interesses nos planejamentos empresariais, passa a ser considerada como uma estratégia relevante de gestão.

Para além do cumprimento de leis

Reivindicações pela melhoria de mecanismos de proteção ao meio ambiente e por mais participação da população nas instâncias decisórias governamentais emergiram na legislação brasileira há pelo menos 30 anos.

A Constituição Federal (CF) de 1988, no Art. 225, ampliou o conceito de defesa do meio ambiente, inserindo o conteúdo humano e o social à legislação ambiental. Além disso, a CF de 1988 garantiu a participação popular na gestão de políticas e programas promovidos pelo Governo Federal.

Mas a estrita observância do licenciamento ambiental convencional não tem se mostrado mais suficiente para a sobrevivência dos negócios privados nesses tempos atuais. Instituições de âmbito internacional e organismos multilaterais também construíram suas próprias diretrizes socioambientais para o enfrentamento de problemas em nível global e aumentaram o rol de quesitos que devem ser cumpridos pelas companhias.

Essas diretrizes devem ser minimamente seguidas por empresas submetidas a financiamentos regulados por agentes que seguem princípios e padrões de desempenho supranacionais e por aquelas que, independentemente de exigências formais, querem sobreviver em um mundo cada vez mais marcado pela cobrança pela adoção de atitudes sustentáveis por parte dos empreendimentos.

O cumprimento dessas orientações supranacionais facilita a obtenção e a manutenção de financiamentos, atrai investidores e beneficia reputações corporativas. E, no sentido inverso, o descrédito ao arcabouço das melhores práticas socioambientais e de benchmarks internacionais será cada vez mais um dos fatores responsáveis pelo fracasso de investimentos. É o que nossa experiência tem nos mostrado.
Grau de maturação da sustentabilidade empresarial e de relacionamentos com stakeholders analisados em conjunto

A qualidade do relacionamento com stakeholders, conceito proposto em 1985 por Robert Freeman para designar qualquer grupo ou indivíduo que possa afetar ou ser afetado pelos objetivos organizacionais, é fundamental na adoção de práticas sustentáveis pelas empresas e na viabilidade financeira dos empreendimentos, uma vez que os pilares sociais, ambientais e econômicos do conceito de sustentabilidade são indissociáveis.

Essa qualidade pode ser observada junto à classificação das empresas quanto a sua maturação sustentável. A tipologia proposta em 2004 por Simon Zadek para o Estágio de Desenvolvimento Sustentável de uma Corporação é útil para a visão integrada das dimensões social e ambiental sustentáveis.

Se no estágio mais básico (“Defensivo”) da tipologia de Zadek encontram-se empresas que negam práticas, impactos ou responsabilidades, em seu mais elevado nível, no quinto estágio, denominado “Licença Social”, as companhias não só adotam políticas de procedimentos para atender à legislação (estágio 2, “Obediência”, “Compilance”), como incorporam questões de sustentabilidade aos processos de gestão (estágio 3, “Gerencial”) e integram questões de sustentabilidade às estratégias do negócio (estágio 4, “Estratégico”).

Da negação de obrigações socioambientais à liderança sustentável empresarial

Neste cenário que vivenciamos, definitivamente não há mais lugar para uma postura empresarial retrógrada de negação de práticas impactantes e de responsabilidades perante a sociedade advindas das operações de uma companhia, característica do estágio um, “Defensivo”. Nessa fase, o diálogo com stakeholders é inexistente ou unilateral. Os riscos para a reputação e sobrevivência das empresas são enormes.

A pura e simples adoção de políticas e procedimentos para atendimento ao arcabouço ambiental nacional legal e normativo, enquadrada no segundo estágio, “Obediência”, ou “Compliance”, também não garante a longevidade dos empreendimentos. Nessa fase, já existem iniciativas de interação com stakeholders, majoritariamente reativas, com o engajamento apontando para problemas em relação aos quais as empresas ainda não têm capacidade para enfrentar. Também aqui existem riscos para a reputação e a saúde dos empreendimentos.

A consideração dos resultados das interações com os stakeholders nos processos de decisão é feita estrategicamente a partir do terceiro estágio, o “Gerencial”, que se caracteriza pela incorporação das questões de sustentabilidade aos processos de gestão empresarial. A partir dessa fase, as empresas passam a ser capazes de transformar riscos associados a stakeholders, a princípio negativos, em reais oportunidades de alavancagem dos negócios.

Estamos falando, portanto, da relevância de uma estratégia empresarial que pode evoluir, a médio e longo prazos, para o estágio quatro, o “Estratégico”, quando a sustentabilidade é integrada à estratégia dos negócios.
Nessa fase, as empresas protagonizam a viabilização da existência e da manutenção de relações compartilhadas, sistêmicas e integradas com todo os seus stakeholders. Há a geração de valor compartilhado com as comunidades, em virtude da qualidade das interações sociais.

Quanto ao quinto e último estágio, o da “Liderança Social”, deve-se dizer que são poucas as empresas capazes de, após institucionalizar a sustentabilidade e a gestão de relacionamentos com stakeholders, irradiar seu aprendizado organizacional para áreas exteriores às organizações, influenciando a adoção às práticas de desenvolvimento sustentável por novos players.

Muito além de simples vizinhos

A sobrevivência das companhias não depende somente do cumprimento de normas ambientais instituídas em lei e da adesão, voluntária ou não, às recomendações supranacionais relativas ao meio ambiente. As expectativas sociais por mais contribuições empresariais à resolução dos desafios cujo enfrentamento não é possível só com os esforços estatais, como a erradicação da pobreza, são crescentes.

A mais recente revisão dos padrões da Global Reporting Initiative (GRI), organização que divulga relatórios sustentáveis das empresas que, por sua vez, são utilizados para a concessão de créditos e upgrades no branding das marcas, instituiu a necessidade, comprovada, de consultas estruturadas junto às partes interessadas em suas diretrizes recomendadas às companhias.
As demandas por mais participação e controle social, que voltaram a ganhar força no atual governo federal brasileiro, também estão cada vez mais próximas das empresas privadas, batendo à porta dos territórios onde suas atividades são desenvolvidas.

O comportamento empresarial frente a esses interesses pode causar riscos negativos ou oportunidades às operações e futuros investimentos das organizações. Tudo depende de como os empreendimentos irão lidar com seus stakeholders.

A real legitimação social das operações (Licença Social para Operar – LSO) de um empreendimento depende, fundamentalmente, do nível de confiança de seus diferentes públicos em suas operações.
Essa confiança é consequência, principalmente:

1 – do grau efetivo de participação social ao longo da operação dos empreendimentos;
2 – dos resultados das parcerias que são feitas;
3 – da efetividade social e ambiental das ações mitigadoras e compensatórias dos impactos gerados e daqueles investimentos para desenvolvimento dos territórios, independente do compliance ambiental.

Para muito além das promessas de um futuro melhor

Obter a confiança dos stakeholders nas ações das organizações é fundamental. Se a empresa não solidifica sua imagem positiva junto aos stakeholders do território, não lhe será concedida o benefício da dúvida em situações de crise e frente a imprevistos que coloquem em xeque a atuação das companhias.

Uma vez que as relações com stakeholders sejam marcadas pela desconfiança, o telhado das empresas será permanentemente de vidro frente às pedras arremessadas via tecnologias da informação e mídias digitais.  Sua reputação poderá ser arruinada, com sérios reflexos sobre a atratividade de seus investimentos.

A experiência da Ferreira Rocha mostra que a confiança dos stakeholders nas companhias pode ser obtida, basicamente, por meio de duas estratégias:

1ª – uma delas configura-se por “fazer para” os stakeholders, ou seja, encantá-los com a criação de expectativas de um futuro melhor devido a, por exemplo, a implantação de um empreendimento em uma dada região. A técnica está fundamentalmente atrelada à consecução, com mais facilidade, de metas organizacionais de curto prazo, em menos tempo e sem a necessidade de maturação nas relações com esses atores;
2ª – a outra estratégia estabelece relações de cooperação, sob princípios mais democráticos, conferindo voz efetiva aos stakeholders e considerando a participação desses atores nos processos de tomada de decisão empresarial. Isso significa identificar, comunicar, negociar, motivar e formar parcerias estratégicas, levando-se em conta interesses desses atores e a história do território que acumulam. Trata-se de “fazer com”.

Ambas as estratégias podem ser empregadas com sucesso em diferentes estágios de uma dada operação. Muitas vezes, elas são usadas de forma alternada ao longo da vida útil dos empreendimentos.

Mas, a estratégia cooperativa apresenta diversas vantagens em relação à que cria expectativas com promessas, principalmente em médio e longo prazos. Em primeiro lugar porque, na nossa opinião, diversos fatores podem levar à a inviabilização do cumprimento de promessas. Essa situação pode levar à prática inadvertida do social washing, fenômeno caracterizado pela apresentação, na teoria, de ações e condutas empresariais que não são comprovadas na prática.

O não cumprimento das ofertas feitas ameaça a criação de laços de confiança com as comunidades e é determinante para a perda de apoios quando, por exemplo, os benefícios advindos de indenizações individuais começam a minguar. Junto a isso, começam as dificuldades sociais para os próximos passos de licenciamento ambiental, como a geração de custos não previstos e os ataques generalizados à imagem corporativa.

O não cumprimento de promessas de encantamento também pode causar frustrações nas expectativas dos stakeholders que dão origem a conflitos sociais, ao longo da operação, comprometendo a estabilidade das empresas.
Além disso, conforme revelam diversos cases nos setores de energia e mineração, a consecução de metas de curto prazo também pode ser viabilizada por meio do emprego de metodologias de diálogo participativo e de formação de parcerias locais e regionais, a princípio profícuas para ambas as partes.

Diferentemente do “fazer para”, o “fazer com” é capaz de:

– elevar o nível de legitimação social em direção àquele de confiança em uma relação “ganha-ganha”;
– prevenir riscos negativos;
– aumentar as chances de aproveitamento de novas oportunidades de negócios que podem se afigurar no território ou fora dele, graças à aprendizagem institucional possibilitada pela escolha de estratégias de diálogo e participação social.

Nosso eixo estratégico estruturante e soluções derivadas

As diretrizes gerais para o desenvolvimento e a implantação de Planos Estratégicos de Relacionamento com Stakeholders (PERS) são bastante conhecidas e aplicadas pelas diferentes empresas e pelos vários profissionais que se dedicam ao tema. Em geral, os PERS, seguem o modelo “Planejar – Desenvolver – Controlar – Analisar (PDCA)” e são compostos pelas seguintes atividades:

  • Planejar: mapear stakeholders e conflitos sociais a partir da análise de documentos sobre o território e o(s) processo(s) de licenciamento ambiental associados ao(s) empreendimento(s) que ali se pretende implantar e/ou já está(ão) instalado(s);
  • Desenvolver: colocar em prática o PERS ao encontro das metodologias e ferramentas de interação que ele estabelece;
  • Controlar: acompanhar, por meio de indicadores, o desenrolar do PERS;
  • Analisar: com os resultados dos indicadores e dos mecanismos de interação com os stakeholders, realizar a análise crítica do PERS e eventuais correções de rumo.
Nós, da Ferreira Rocha, também seguimos essa cartilha em termos de macropassos metodológico. No entanto, procuramos nos diferenciar, adequando esses passos ao melhor atendimento aos objetivos e metas de nossos clientes, sempre com um mesmo eixo estruturante: a gestão estratégica de riscos negativos e oportunidades associada ao relacionamento com stakeholders.

Assim, desenvolvemos as seguintes soluções:

– Análise dos cenários atuais e de tendências de relacionamento com stakeholders para avaliação de novos investimentos;
– Pré-diagnósticos sociais;
– Desenvolvimento de planos de desenvolvimento local a partir da percepção dos stakeholders;
– Estabelecimento e retroalimentação de indicadores de desempenho e de efetividade social.

Ao longo dos meses de maio e junho, em nossas mídias digitais, apresentaremos os grandes princípios metodológicos que pautam nosso trabalho relativo ao relacionamento com stakeholders, fundamentalmente baseado na estratégia de “fazer com”. Também serão abordadas cada uma dessas soluções voltadas à gestão do relacionamento com stakeholders e os principais cases por nós já desenvolvidos e/ou em curso relativos ao tema.
Um abraço,
Delfim Rocha
Diretor Executivo Ferreira Rocha Assessoria e Serviços Socioambientais